Sobre o projeto
Biodiversidade na mesa
É impossível negar a importância do pãozinho no nosso dia-a-dia. Ainda que tenha como base o trigo, que não é uma planta nativa, o pão – em suas mais diversas formas – é muito presente nas mesas brasileiras. No entanto, podemos torná-lo um alimento mais saboroso e interessante adicionando uma pitada de biodiversidade e é aí que entram as Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) e outros alimentos da nossa Mata Atlântica, sejam nativos ou recorrentes.
Tais alimentos muitas vezes estão disponíveis em abundância nas calçadas, terrenos, beiras de estrada e outros espaços abertos. Pela facilidade de acesso e a diversidade possível de usos, as PANCs têm um enorme potencial para incrementar a alimentação da população. A diversificação de alimentos e o uso de plantas disponíveis gera maior qualidade nutricional e segurança alimentar, entendida aqui como o acesso a alimentos seguros e nutritivos.
Além disso, fomentar o uso de PANCs e ingredientes nativos é também valorizar a biodiversidade e a importância de se conservar a floresta. Assim, o uso consciente dos recursos da Mata Atlântica é um ato em prol de sua proteção.
As receitas foram criadas usando o fermento natural – também conhecido como fermento selvagem, levain ou massa madre. Essa técnica não demanda a compra de fermento e possibilita que cada pessoa cultive o seu próprio de maneira autônoma.
O fermento natural é formado por um conjunto de micro-organismos – leveduras e bactérias – que se alimentam de farinha e água. Cada ser desse conjunto age de uma maneira e em um tempo, por isso a fermentação natural é mais longa e tem como resultado um pão mais saboroso e de mais fácil digestão (é como se os micro-organismos adiantassem parte do nosso trabalho de digestão).
O fermento biológico (aquele que se vende no mercado em saquinho) contém apenas uma levedura e que foi escolhida porque age com muita rapidez. Isso faz com que o pão cresça rápido, o que é bom para esse mundo apressado. Só que nesse processo perdemos – e muito – no sabor e na digestibilidade.
Existem diversas maneiras de criar o seu fermento natural, o meu foi criado a partir da receita do Guilherme Leme, do Pão na Panela (Como fazer o levain). O processo demanda paciência e, no meu caso, um pouco de persistência. Joguei fora o fermento achando que havia errado a receita mais de uma vez, mas ele só precisava de mais tempo para vir ao mundo.
Outro caminho para ter seu fermento natural é pedir um pouco para alguém que tenha. Sempre sobra um pouco ou é possível produzir mais facilmente, inclusive é algo para tomar cuidado – o fermento vai se multiplicando, multiplicando… e quando você menos espera sua geladeira tá com vários potes de fermento!
Se você estiver por São Sebastião e quiser o fermento, entra em contato comigo.
O trigo é o alimento primeiro domesticado por nós, seres humanos. Já são mais de 10 mil anos de relacionamento. É óbvio que o trigo de hoje em dia tem pouco a ver com o trigo daquela época. Ao longo desses anos, foram inúmeros processos de seleção, modificação e transformação da planta.
O historiador Yuval Noah Harari, no seu livro Sapiens, traz a curiosa ideia de que foi o trigo que domesticou os humanos e não o contrário. Ele conta que foi por querer consumir essa planta que deixamos de ser nômades, para poder cultivá-la. Uma vez que deixamos de ser nômades, começamos a ter casas – domus, em latim. “Quem é que está vivendo em uma casa? Não o trigo. Os sapiens”, provoca o historiador.
Mesmo com tanta história e intimidade com o trigo, a escolha da farinha é um ponto crucial para a receita de fermentação. A primeira informação básica é que deve ser uma farinha “forte” para sustentar o crescimento da massa. E como saber se a farinha é forte?
Na tabela nutricional da embalagem, há a informação da quantidade de proteína presente nela. Quanto mais proteína, melhor. Sendo que o mínimo indicado é de 10%. Isso quer dizer, que para 100g de farinha, é preciso ter 10g de proteína. Cuidado para não confundir a informação sobre a quantidade nutricional.
Outro fator importante é ser orgânica, sem o uso de agrotóxicos. Infelizmente, são poucas marcas e o acesso é restrito – ainda que pela internet seja possível comprar. A escolha pelo orgânica é boa para quem consome, para quem trabalha na produção da farinha e para o meio ambiente.
O consumo de alimentos produzidos com agrotóxicos está relacionado à diversas doenças, desde dificuldade para dormir e depressão até câncer, passando por aborto, mal formação de bebês, impotência. Para conhecer mais recomendo a leitura de Danos à saúde podem demorar anos até serem sentidos e Posicionamento do Instituto Nacional de Câncer (INCA) acerca dos agrotóxicos.
A situação do trigo e agrotóxicos é especialmente preocupante. Existem hoje 108 ingredientes ativos de agrotóxicos autorizados para o uso na produção de trigo. Mais de um terço deles, 39, são proibidos em outros países. Seja pelo risco à saúde humano ou à natureza (como, por exemplo, contaminação das águas e toxicidade a animais).
Há ainda pesquisas que apontam que as doenças celíacas (ligadas à intolerância ao glúten) podem, na verdade, estar relacionadas à presença de resquícios de agrotóxico no trigo. Ver mais em O pão nosso de cada dia ameaça gerações futuras: os efeitos de agrotóxicos e do trigo transgênico. Entrevista especial com Rubens Nodari.
Sobre a autora
Juliana Sada escolheu o litoral norte como casa e espaço para se reaproximar da natureza e criar. Jornalista de formação, se guia pela sua curiosidade. Explorando diferentes temas e formatos, transita entre o texto jornalístico e literário, assim como pela cozinha e pelos trabalhos artesanais. Nos diferentes projetos traz para o primeiro plano a natureza e a valorização da biodiversidade e da floresta.
No paralelo de sua atuação como comunicadora, Juliana se tornou padeira. Fugindo de padrões pré-estabelecidos, criou o projeto Pão e PANCs que tem como objetivo unir panificação com biodiversidade, difundindo conhecimentos sobre Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs), plantas nativas e cogumelos silvestres comestíveis. O projeto teve início em setembro de 2021 e utiliza as redes sociais como principal plataforma para divulgar os conhecimentos. Além disso, Juliana já realizou oficinas e rodas de conversa sobre fermentação natural.
